Wednesday, 19 March 2014

Minhas lágrimas são
Mais quentes que tuas mãos
Que sobem, ásperas, por minhas coxas
Que teus dedos
Que me invadem
E eu não apresento resistência
E não te penso
E em teu suor perco meus pensamentos
E cravo meus dentes
Tua barba rala me arranha o pescoço
Teus dentes leves me machucam os seios
E não te nego
Não te afasto
Porque não te tenho
E não me tens
E somos apenas dois corpos dividindo o mesmo colchão
E mãos e pés e bocas perdidas um sob os outros
No ar rarefeito
E não digo teu nome
E não dizes o meu
Reinamos em silêncio
Olhos nos olhos
Minhas unhas cravadas na tua pele
E esquecemos que um dia
Esqueceremos de lembrar
Das feições que tanto nos pedem
Afeto
E repetidamente
Negamos-lhe

Friday, 10 January 2014

Perguntara-se, olhos vermelhos a frente d'um espelho rachado
Quando
quando perdera a contagem dos dias
E a coragem
Quando deixara-se ludibriar por si mesma
louvando sonhos de papel
Acreditara que poderia alcançar dez mil pés
e repousar sorrindo
Negara tão fortemente a mídia e sua influência
Mas afogara-se nesta

Poemas
Poesias
Textos abortados
Melancolias
Dinheiro-de-chiclete
Esperanças-de-porvir
Olhos-de-rubi
Cabelos-d'esmeralda
Pés descalços
Alma rala
Cantorias tristes ao pé-da-cama
E cospe sobre si
E em ti
E tem em mãos a perfeição
e a desistência
E sorri
Em meio a lágrimas e fumaça e borrões
Sem talento, sem teto, sem dinheiro
Sem amor
Sem calor
Treme na calada da noite
Implora a ti por qualquer promessa vã , efêmera e teatral
E
Cansaço-de-cada-dia-nos-dai-hoje
E a cachaça amarga a lhe corroer os tons
E a nicotina enegrecendo-lhe os lábios
Rachados
Desbotados
E eras bela
E sois
E estas perdida-doída-corroída

Vomita blasfêmias
Chora rios de insultos e
Lhe beija os dedos
Acaricia-lhe o rosto, corre os dedos pelo cabelo cor-de-mel
Corta-lhe os pulsos
Rasga-lhe o peito
Chora, chora, grita, esperneia, descabela-se, pede perdão, volta, senta ao pé da mesa, apoia as coxas nas tuas, quebra-lhe a alma, lhe sorri torto de canto
Dá meia-volta
Uma pirueta
E sai pela porta
Sem olhar em teus olhos,
para não ter medo de voltar
Para não acreditar
Que ainda lhe sobra um'alma no peito frio

Thursday, 2 January 2014

Dizeste
Três vidas atrás
Que meus dedos haveriam de ficar
Calejados e amarelados
De tantos cigarros que acendo
E ofereço ao vento
E magoo a meus pulmões

Dizeste
De olhos fechados
Que meu guarda roupa haveria de me lembrar
O que eu fizera na noite passada
Onde
Com quem
Estivera
Em tua ausência

Dizeste
As mãos quentes repousando
Em minha coxa fria
Que haveria de ter dores de cabeça
E curá-las-ia com mais veneno
em garrafas transparentes de selos a desbotar
a porcentagem de conforto
A 39%

E sentaste ao meu lado
No meio fio descascado d'uma avenida antiga
Sorriste,
triste,
Me emprestaste teu isqueiro
E teus ouvidos

E andaste em direção a porta
Sem contar-me teu nome
Deixando à mim teus dias e
teus cansaços
Teu acaso
Meu casaco
Pendurado
Sozinho na parede
Tem teu cheiro e
me conta estórias
A cada vez que fecho as janelas
E me deixo respirar minha própria fumaça
Afundando meus pulmões
em dias escassos e
Solitários

Mas eu 'inda fumo demais
Seja pra manter as mãos ocupadas
Ou tampar as lágrimas com a fumaça escassa
Que sai dos meus lábios rachados
Cheios de palavras cansadas
E vazios de sentimento
Sentindo
Falta

Tuesday, 19 November 2013

Desamor em três atos

Ato I
Olhaste e sorriste
Sorriso frágil de dias rachados
Enlaçastes as mãos nas minhas
Geladas
Pousaste tu'alma nos meus braços fragéis
E repousei dias em teus leitos de cetim
Adornados por mim
Riste melodias cantadas
E andaste

Mais perto

Ato II
Olhaste e enxugaste
Com dedos trêmulos lágrimas de marfim
Sob mim
Sentia o pulsar a drenar-lhe os sentidos
De cicatrizes à mostra
E manchas enegrecidas na ponta do contar
Soprou sobre nós
A fumaça efêmera d'um cigarro amarrotado
D'olhos num vinho barato
Redemoinho de silêncio
Lacrimejaste ante a brisa
E não viste que meus lábios sangravam
Vermelho rubi
Por lábios teus a acalentar
E andaste

Ao mesmo lugar

Ato III
Olhaste e desviaste
Teus dias dos meus
Buscando n'outro corpo qualquer resquício
De fumaça, sorrisos
Indecência, álcool
Psicotrópicos, calmantes
A descansar sonhos abstratos
Conhece-me
Não'assinaste contratos
Cometeste pecados
Contaste dos olhos que compraste
Tão azuis quanto o céu
Tão tristes quanto os meus
E amei-os
E incendiei-os
Cobrindo-lhe o rosto com ondas avermelhadas
E olhares escuros
E andaste

Mais longe

Até perder-me de vista

Não olhaste.

Sorriste?

Saturday, 12 October 2013

Some day, some random sunny day, you feel tired. You feel like your eyelids hurt much more than they’re supposed to and you sleep much less than is healthy. You notice your hair doesn’t shine anymore, and he’s all broken and matted and you don’t even remember how it is to turn the corner of your lips up. The wind blows and smashs at the window, just to do it again and again and again and your back hurts whilst shivers don’t run down your spine. Your coffe is cold and you haven’t seen the sun rises. You were just another night wide awake, the screen of television glowing hopessely begging for a crowd, hurting your blown pupils and your ears are just filled with non sense noises. You went to the rail at some lost point, light up an creased cigarette that you found floating in the carpet. Your lighter barely works, you know the gas is running out, but you don’t remember how to take the elevator and go down the street to enter the supermakert and buy some more. Your cigarettes are just ending, too. Your food is ending and your toilet paper and your toothbrush is too worn out and your shampoo is just water with sighs of former chemical and the newspaper's been pilling up some stair has been months. The coffe is coming to an end too, just like your hope. And this is despairing – you nights on wouldn’t fall down and fade again, they’d just become more unberable to swallow. The smoke scratches on your throat as you take a deep drag. Your eyes threaten to moisten but, simply, they don’t. Such an effort you’re not allowed to do anymore.
In the distance, you see an lighted up window. You see an fleeting smoke, translucent, glowing slowly. You can feel the taste of that smoke and you can feel it in your eyes while you blink painfully. You can see tip of the nicotine at gleeds, that little reddish ephemeral warm thing burning into firgers. You can see an blured version of you there, supported in the rail, blowing smoke to the cold dawn air. You start to wonder why is that petty point is staying still in the freezing winter breeze, looking down or up or with an unfocused glare or with closed eyes, seeing things only granted to itself, or with tears or with bad sight or with the smoke to cover the way, why is it there, with trembling hands, in the middle of night in the middle of nowhere in the middle of forever unfinished thoughts, why is it there? Does it have someone else in room and they’ve just fucked and it get an cigarette off the pack, got out and blow the smoke, and blow the lungs, and blow injuries, and blow whines, and blow moans, and blow a life or two out of its mouth, whilst other mouth is waiting in a messy bed, covered by sweat and sheets and shivers and sex and the smooth smell of nicotine, just waiting it to end that worn out cigarette and put the ash on the ground and step on it and step inside and fuck and sweat and shivers and whimpers and sheets and noises and the lasting smell of another lost cigarette? Does it have someone in the world, if not in the bed, at this right time? Does it have anyone waiting for them when it gets home, someone to hug, to kiss, to scream, to share, to have combineted toothbrushs, to love? Does it is alone, lost, losing, loser? Does it cries at the edge of the night, listening to old songs in an old radio with bad reception? Does it loves? Does it lives? Does it breaths quickly or slowly or soft or asthmatic or loud? Does it has an loose lack heart in its chest, burning, crying, begging, suffering, breathing? Does it really exists or does it is just a mirror?
In the distance, the tires of some random car whistles and your look goes down, and you try to find the car or the person or the dog or the signaller or the hooker or the old boozed man or anything or something and your try to hold on at it and it hurts and it burns and the car is too far and you’ll never know. When your glare goes up, the light is off and you’ll never know. Does it existed or are you sleeping standing, are you dreaming?
It existed.
You conclude. It existed ‘cause you don’t dream. You can’t dream. You can’t sleep. You can’t let fo the coffe and the cigarettes and the insomnia and the lack of everything. You are too hopeless to put your head on a pillow and just dream.
You laugh.
You’re tired. You’re so tired. So, so, so, so tired. 
You don’t even know how it is to try anymore. Any more. Some more. More. Just a little bit more. You don’t even know how it felt, once, to do your job for the pleasure of doing it, when your mind wasn’t aspiring to money, intending to be huge and famous and loved. You don’t even know how it was to feel like that. You never dreamed of being an inspiration, a poetry, a lyricist, an actor, a something, a someone. Once, you’re dreamed of being happy. And full. And complete. And an other half. And something, someone just to something, to someone. You dreamed of drawing or maybe singing or maybe saving lives or maybe extinguishing fire or doing ballet or doing any kind of dance or playing a piano or a guitar or a cello or a drum or being a teacher or being just happy. You dreamed of being small, smaller, minuscule, unimportant, insignificant, invisible. You dreamed so big and at the same time so petty, my kid. You wanted the world laced on your middle finger, without it even figure out. You wanted it all and you wanted nothing. You dreamed of just live and just this simple sigh of oxygen be important. To something, to someone.
Your dreams never come true, so you never dream anymore. You never close your eyes. You never close them long enough to get into a fancy ordinary world, all yours. Oh kid, do you remember? The last time? You dreamed, you smiled, you loved, you fucked, you walked, you petted, you cared, you cried, you slept, you yelled, you sang, you made a wish, you felt the wind mess your hair and the sand close over your toes? Oh kid. Why don’t you live anymore? Why don’t you allow youself to dream, to love, to feel, to be? Oh kid. When did you get that lost? So alone, so exausted, so hopeless, so asleep, so awake, so loose, so fancy, so liar, so misunderstood, so small. So nothing you once dreamed. Why are you that sad, kid? Why? When did life hurted you so bad that you can barely keep your feet on the ground and keep yourself still and rise your head and fake a fucked up broken smile? You knew you would’ve been so far, far, far away. You knew you will. But you won’t. At some lost point, you light up that cigarette, yellow filter, creased, that was floating on your carpet knows God since when, leaned at the rail, and saw a lost bug, hovering alone, smoking, maybe the same hype of your, the same yellow filter, the same worn out and creased shape, and you got lost on it. And you fell for it. And a car comes, with its dogs or signaller or boozed man or hookers or anything, and you lost it. You were loving it and you lost it.
For a moment, you were in love. You were seeing its eyes, its smile, its hips, its lips, its sighs, its sights, its tears, its everything. You were seeing someone in the same place as you, with the same tiredness feeling, the same fleeting smoke, the same broken heart, the same cold sweat at the temple, the same trembling hands, the same worn out lungs, the same bored carpet, the same ghosts, the same newspaper at the stairs, the same shadows, the same fears, the same losts and the same earning. The same yearning. The same cold finger in the cold breeze in the cold apartament in the cold building in the cold town in the cold state in the cold country in the cold continent in the cold world in the cold Solar System in the cold universe, waiting for the same cold neon God that won’t show up.
For a fucked up moment, you felt love. A sick kind of love, but it was there. You even knew. You even know. You may never know, but it was. You loved it, for seconds, or minutes, or hours, or months, or for your hole life, you’ll keep imagining how it’d be. You lost it, but it was loved. Deeply and desperating, it was loved.

Your cigarette is at the end and it has been, what?, a month, maybe. A month you loved. A month you felt. A month you dropped your cigarette accidently on the cold tile floor and it was your last cigarette and you felt angry and felt the will to cry and you tried to sleep or to feel or to think and you don’t know if you felt sleep, if you dreamed, if you stared at the ceiling ‘till it lost its form, if you simply closed your eyes without realise and everything just turned black for a moment and you just let the eyelids go open and watched the sun going into your dirty window and you haven’t seen the sun rises. And you were confused and angry and when did your coffe get cold and when did you make new coffe and when did you slept and when did you didn’t and when you just became so empty and unnatural and closed and shuted and when?
You mouth feel dry.
You bought a new coffe. And fifteen new packs of cigarettes. And some fast food. And some toilet paper. And some toothpaste and a toothbrush. A blue toothbrush. You hate blue. Does it hates blue too?
It isn’t there tonight. It never showed up again. Or if it did, you weren’t watching. You were looking for the dog or the cat, this time, or the soul, or the stoned teenagers, or the boozed old man, or the car to crash on lamp, or a hooker, or anything.
Does it existed, after all?



You’re tired. You’re just tired. 

Monday, 17 June 2013

E sem saber
Se por loucura ou vaidade
Distanciei-me do mundo,
Deixei a cidade
Incendiei prédios de papelão
Tentando destruir em si tod'a maldade

Fiz planos em bolhas de sabão
Rabiscando a todo canto
O quanto o tempo não passa d'um borrão
E teus olhos que choravam
Rios, cascatas de algodão
Cantavam,
Solenes,
A tristeza que amavam

E sem saber
Se por prazer ou falta de solução
Entreguei-me a dias falhos
Calendários de alçapão
E falhava-me a poesia
E a tudo quanto podia
Alimentava em mim a solidão

Friday, 1 February 2013

E mais um sonho é jogado fora
Arremessado, em cheio
Na lixeira
Já vazam pelas bordas

Faz favor
Levanta 'sse olhar orgulhoso
De quem superou sonho bobo
De quem cresceu perante o mundo
Porque o mundo usa fraldas
Caga nas calças
E anda de patinetes

Mundo é um barril d'uísque amargo
Sabor de ventania
Que tira alegria d'algo a se prender

Faz favor
Calça 'ssa sapatilha
'Squece os papéis amassados
Teu nome no topo
Calcanhar pequeno
Afina as cortas de Sophie
Chor'a música
E sorri

Thursday, 31 January 2013

No meio do aeroporto lotado de malas gigantescas e mentes minúsculas, andava um cabelo em chamas, óculos escuros escondendo olheiras de tanto andar a esmo nas manhãs que sucediam noites insones. Uma mala, pequena, desbotada, com bottons corroídos e um laço meio solto, ia as costas. As calças rasgadas nos joelhos, nas coxas, desfiadas, uma blusa maior que ela, a jaqueta jeans com uma bandeira dos Estados Unidos, destruída, colada com taxas e alfinetes nas costas e spikes na gola, um coque mal feio no cabelo e o maço de cigarros a sair do bolso. Um batom vermelho desbotado e a maquiagem borrada por sobre o negror dos óculos, de lágrimas que secaram antes de cair. Andava a passos lentos, mas fugia do campo de batalha que sua vida representava.



No avião, a 500 pés d’altura, observava o céu e sentia lágrimas. Tinha uma destinação e não pretendia dar a volta, e agarrar-se a barras de saias e implorar perdão. Tudo que queria era um cigarro. Quando a comissária de bordo passou perguntou-lhe por uísque. Ela lhe perguntou sua idade e a menina das roupas de reuniões familiares sorriu e revirou o manual de instruções no caso do avião cair. “Que caia. Faça-me um favor, Deus. Mate-me, antes qu’eu o faça”. Suspirou. Deixara um bilhete, meio borrado e chamuscado, cinzas do cigarro caiam nele de quando em quando e Foda-se. “Parto hoje. Olha o Sonho, olha o Sonho. Um é três [reais]. Três é sete. Optei por mil. Lembra-se da noite que pisastem neles todos e que olharam em meus olhos e disseram, com os lábios cheios de rancor “Tome suas pílulas, morra, faça chantagem, vá para a França, torne-se prostituta, drogada”. Vagabunda. Gabriele Colette, és tu que me chamas? Não, és tu quem me grita na rua. Ouço o eco. “Vagabunda”. Meias desfiadas, pulseiras com spikes, não adepta a religião, músicas, canto, banda, bares, noite, praças, artes, filosofia, artista, teatro, atriz. Prostitua. Drogada.


Não sabes o que é viver. "Me dê um trabalho que eu ame, um apartamento pequeno, comida suficiente, música, um simples alguém e serei feliz. Prefiro uma vida curta, mas bem vivida do que passar a vida sentada numa mesa querendo um dinheiro que nunca terei, uma vida que a tevê vende, um sonho induzido pela mídia. Prefiro morrer correndo atrás dum sonho e saber que existir sonhando me rendeu mais vida do que mil tuas" "Não sabes nada. És patética. Vida é dinheiro." "Vida é paixão. Amar o que faz e saber qu'alguém tirou uma lição da tua vida. É viver ao máximo, mas viver. Não existir"


O avião, ele vai rápido em direção ao meu sonho. “Nunca conseguirás o visto. Não tens talento.” “Nunca conseguirás nada.” “Tens uma péssima voz” “Escreves mal” “Artes nunca lhe sustentará” “Não sabe o que é viver” “És patética, feia, ridícula. Morra, suma.” Vagabunda. “E este batom? Pareces uma prostituta barata. E este shorts? Foda-se a meia calça. Olhe esse desviado. Queres que lhe passem a mão. Vulgar”. Fumo um cigarro. Sinto a nicotina no sangue, n’alma, melhor amigo. “O que é isso? Virou vulgar? Vai virar puta?”


O avião continua. A carta perde a essência e se volta e revolta para a mágoa. “Nunca conseguirás sair daqui e ficar na França. Não consegues. Não pode. Vão te expulsar. Mandar de volta. Ninguém vai te querer como atriz, cantora. Nem como pequena. Um em um milhão,. Tu não és este” O meu especial é banal, essencial pra se perder na multidão. Ser aplaudido por duas pessoas contratadas com o dinheiro do pão, para chorar no porão alugado mais tarde.


Fujo. Torno-me clandestina. Torno-me Sol. Torno-me pequena, invisível, caixa de sapato. Fujo de país em país. Vou pr’Inglaterra. Choro por apartamento pequeno no meio do nada, Trabalho em três turnos, toco no meio da rua e vendo flores. Vendo amores a quem ama e desejo amar, mas o coração se perdeu no avião no bilhete. Vagabunda. Flores. Coloridas e pequenas. Como sonhos. Pequenos e fáceis de se acabar.


Acordo cedo, metrô m’engol’alma e sorrio pro violão qu’é atingido pelas almas avulsas. Caixa de sapato. Asas de papelão. Governo na televisão. Fugitiva. Escondida. Humilhada. Conversas com pombos, cafés doados e reflexos na janela. Cantando pr’aquele belo quadro abstrato que me sorri de dentes amarelados e olhos laranjas, quando deveria ser um parque. Chamo-a de Amelia. Somos amantes. Vagabunda. Ideias são a prova de bala. Minh’alma é composta de cores, e dores, e nãos, e decepções, e de incapacidades, e de viver em apartamentos sujos, e de ser renegada, e de tocar em bares de becos, e de m’embebedar todas as noites, e de me viciar em ópio, heroína, cocaína, fugir da realidade, me afogar em incertezas e ver no colorido que tudo dá certo. No meio desse lixo todo encontro uma fagulha num violão e num microfone ruim e no John, o bêbado do terceiro divórcio que aplaude de pé, cambaleante, minha terceira música e me pede em casamento.


No meio de todo esse desespero há felicidade pois a música ainda toca, até para quem não há ouve, lá ela está. E sempre estará.

Thursday, 24 January 2013

Dedos sujos, olhos límpidos. O gosto de sangue ainda dançava na língua, metálico, metálico como os ponteiros sujos daquele relógio imundo de dez vidas ou mais na parede rachada do papel de parede descascado de flores invisíveis. Nas horas trincadas se pegava a se perguntar se se perguntavam por si, por ti, por aqui e ali, se havia de existir ainda, se as horas passavam para ela como há dez anos, como haveriam de passar dali a dez segundos. Naquele quarto recheado de espelhos quebrados e cobertos de sangue coagulado e ressecado, de roupas rasgadas e meticulosamente posicionadas por sobre os olhos, tranformando-a num boneco de filmes de suspense dentro de sua própria cabeça. Naquele quarto imaginário rechado de espelhos imaginários transformada num boneco imaginário ela pintava paredes com tintas secas e olhos vazios, enxergando além de argamassa e chumaços de cabelo ressecado.

Dedos sujos, olhos límpidos. E por quê deveria de criar calendários se ao serem redistribuídos em praças públicas seus diários tomariam conotações de mundos diferentes? Que dia seria de que ano de que horário em que mundo quando seria lido por qual coração? Aquelas palavras seriam felizes, tristes, chamuscadas, rabiscadas, chuvosas. Seria noite, manhã, madrugada, dia de semana, horário de expediente, indiferença pelo atraso, pausa para o café. Seria homem, mulher, criança, branca, negro, índia, China, Marte, Júpiter, Via Láctea, quem sabe mais além. Quem se importa. Quem?

Dedos sujos, olhos límpidos. O tempo não existe. Relógios existem. Em que língua enxergas isso? Em que língua me corrompes as danças? Em que dialeto discordas? Por que não acreditas? Ela não existe. Eu não existo. Nem tu. Nem nós. Nem eles. Maldita gramática. Bendita ortografia. Quem nos inventou. Seria Deus? Ou Deus nos inventou depois de nós o termos inventado? E onde entra o Céu e onde sai o Inferno? E o Futebol? A copa chega, ano que vem. Belo estádio. Ela pintou aqueles espelhos quebrados com o sangue dos pulsos, mas não morreu. Ideias não morrem. Suicidas não morrem. Ídolos. Heróis. Mártires. Terras. Planetas. Sistemas. Teorias. Teólogos. Filósofos. Eu e você. Amor. Tesão. A morada na terra t’eterniza, meu bem. A morte não te atinge, não te aflige. Te torna inalcançável. Mescla-te em árvore, tomba na floresta, em silêncio, fecha os olhos, reza pela ignorância dos animais e deix’assim.

Dedos sujos, olhos límpidos. Bilhetes e bules. E cartas. E mapas.

Dedos sujos, olhos límpidos. Onde começa o sim e onde termina o não? Onde começa o amor e onde termina a aflição? Mas quem haveria de se apaixonar por olhos castanhos? De espelhos cobertos por ventanas, sonhos toldados em olhares vendados e as horas que passavam diferente no relógio do sol dos pássaros. A liberdade era mais tangível quando inatingível.

Dedos sujos, olhos límpidos.

Sujos.

Suja.

Na sarjeta, na valeta, nas ruas, nos becos, no esquecimento, na ponta da língua, nos sussurros em reuniões familiares, abandonada por Deus, esquecida pelos homens, amante de si, traída e trocada por moedas foscas. Só queria um relógio que me desse a hora certa de morrer.

Sunday, 20 January 2013

Vista tão turva quant'àquela música que tocava alta, mas soava como cantiga de ninar. As pílulas sorriam, sempre amigáveis, ótimas vizinhas, cumprimentavam ao amanhecer, traziam tortas e ofereciam-se para molhar as plantas qu'eu insistia em querer assassinar. Tomava pílulas nas mãos e as embalava, como bebês, vizinhas, amigas, amantes, beijemo-nos. Vamos casar, ter filhos, viver dentro desses frascos desse marrom clarinho, sempre iluminado qu'entra pela janela trincada. Vem cá, me dá a mão, meus dedos estremecem, minhas mãos estão tão trêmulas, as pontas amareladas amortecidas, mordo a língua, o gosto do sangue descendendo em mim, indo e vindo, não o sinto. Onde estão as garrafas transparentes de líquidos felizes, nossos melhores amigos? Melhores amigos de melhores amigos são sóis privados que anoitecem nuvens. Me deixem, meus dedos corroídos só querem amar drogas que m'amem de volta. Só o que peço. Só o que posso pedir.

Monday, 7 January 2013

Olho com olhos grandes pr'agenda pequena caída no pé da cama. Ela sorri, entristecida e embriagada à jornais doces. Deixav'eu meus dedos passearem por teclas amargas d'um piano esquecido, deitado n'encosto sereno do chão sujo, casa suja, repita se puder. De passos perenes, dedos cansados, casados, andava de manso pr'os dias abotoados em linhas borradas.

Wednesday, 14 November 2012

Desenterrou o caixão e pegou uma lasca evernizada, soterrada em orações. Olhou-se no espelho, sorriu os dentes lacrimejados, olhou pra baixo e viu o céu. De esguio, desviava-se da terra molhada abaixo dos pés. As cores refletiam translúcidas de insanidade no seu cabelo que batia ao vento.
Palmas a todos.
Aqui estão os campeões, com suas bandeiras em ombros e cicatrizes em cílios secos.
Pézinhos respingados nas noites de Natal cantavam baixinho marcas de terra molhada nas blusas brancas de paz na Terra, oh, tão amada. As brasas de cigarros escoavam nas paredes, trazendo a realidade a tona enquanto sorrires mãos calejadas, porém doces, ao redor de pescoços e choras cantos fatigados de pardais extintos em sonhos antigos.
Quão belo és teu olhar de canto, pequeno, olhando gigante um mundo descolorido? Reais são teus lábios e doces ilusões que lhes tingem as vitrines, as portas de tinta descascada e madeira apodrecida que batem-se uma nas outras, ecoando à corredores vazios. Vazios? Cheios. Lotados.
Catedrais que vem de longe balançam pontos manchados em amargos quadriculados de concreto pisados por dias validados e âmagos vencidos.
Derrotados, seu Capitão, com sua corneta nas unhas e bandeiras nas condecorações. E mortos, estilhaçados, com milhões de pedaços, pouco sorridentes, de dentes amarelados e dedos tingidos por tabaco enrolado antes da batalha.
Orem mais alto, crianças.
Os céus escondem os ouvidos a banhados em glória. Deix'o louvor ir a sete palmos, enquanto, de pé, mantemo-nos, espadas em punho.

Wednesday, 7 November 2012

Com-ple-ta-men-te

Completamente.
Cansada, exausta poderia caber-lhe, desesperançosa, com olhos partidos e coração em prantos, triste, entristecida, repartida, chorosa, desamada, desalmada, perdida, não mais querendo ser encontrada, de olhar vazio mente cheia, iletrada, sonhadora, sinônimo de posse, antônimo de possuir, fria, reesfriada, tomada pela gula, isenta de sorrisos, decepcionada, ela estava. Ela era. Completamente.
Toda desencontrada, juntando pedacinhos de si pelos azulejos frios e coloridos, sorrindo tão obcenos e vívidos a seus olhos de botões laranjados. Cegando-se àquela pilha de jornais, senhora, embaixo da escada, tornando-se mortes desbotadas e notícias de vidas acinzentadas. Queria jogar-se em olhos baixos cantando baixinho uma melodia suave preenchida de bilhetes colocados em cantos, de tantas cartas cantaroladas agora usadas como marcadores de páginas em seus livros repetitivos, repetidos. Jogava consigo, na frente do espelho, a boca aberta, os olhos fechados, vi'alma cheia de cores e formada por sabores líquidos e transcendentes que tingiam-lhe o céu d'olhar. Quando com a sola arranhada dos pés no solo arranhado qu'o asfalto se era, seus dentes falavam a todos de sua felicidade doce serena e pacata, escondida em potes de biscoitos arredondados com olhar de caramelo a renegar as mentiras que sua boca lhes vendia aos barrancos sem permissão lha dada. Com aquele sorriso pequeno qu'expandia o quarteirão, vivia de canto, jabuticabas entre globos oculares, tão cansada de descaso a apresentar-se que nem fazia caso, por dentro, remoía, mas ao redor todos lha diziam feita de rosas.
Completa, mente.

Friday, 26 October 2012

Hei, fica.
Onde estas indo, amor?
Onde andam todos teus sorrisos e tuas alegrias e sóis particulares? Onde esqueceste toda aquela Esperança que cegava a nossos olhos, durante todas aquelas insônias a nos manter companhia?
Lembra-se da Esperança? Ah, Esperança, aquela moça bonita que te sorriste da esquina, cabelos leves presos num coque mal-feito, os olhos despenteados, olheiras profundas, o sorriso fatigado e quebradiço como as copas das árvores que a salvavam do sol que ferir-lhe-ia a pele alva, cor de dias de verão. Esperança, com seus pés machucados e lábios rachados, aguardando-lhe no fim do túnel, a lanterna na mão. Esperança menina, menino, criança boba e ingênua, que lhe alimenta o sol d'olhar a cada baque surdo do ponteiro dos segundos. Ah, Esperança. Perdeste-a no caminho, amor? Onde andas você, por onde andas, com esses pés presos em sapatos tão pequenos, com buracos que lhe castigam com o vento e aquelas poças que vêm-lhe saudar nos dias chuvosos. Por onde andas, sobre esses trilhos pegajosos, úmidos e escorregadios, sendo interrompidos de sua calmaria monótona por um salvador de almas perdidas a traçar o mesmo caminho que ti? Por onde andas, pulando para o lado no momento preciso, tropeçando-se por sobre si mesmo nos meios-fios rachados de calçadas de mal acabamento, daquele cimento frágil, que cede a mais duas bicicletas, três pares de pés por hora?  Por onde andas, com aquele sorriso de canto, com aquela marquinha onde termina teu pescoço arranhado por tuas esperas insaciáveis e ansiedades descontroladas e começam teus ombros tingidos por aquelas pequenas sardas que o sol deu-lhe de presente? Por onde andas, com aqueles cabelos compridos que jogavas ao vento e aquela rouquidão macia de sono que te acompanhava nas ligações matinais que insistias em me fazer nas manhãs preguiçosas de domingo, mesmo deitado na cama ao meu lado? Por onde andas? Meus bares de luzes fracas e inconstantes não se apresentam belos como um dia o fizeram e suas cantorias embriagadas me são muito altas, muito agudas, muito graves. Minhas noites boêmias são tão solitárias, sorrindo às duras penas, à consolação, ao entendimento e ao compadecimento da minha companhia a garrafa e dos sorrisos espassos que a garrafa, meio trincada por ter me escapado das mãos quando aquela bituca de cigarro veio me cumprimentar a perna desnuda, manda-me de olhos fechados, com aquele selo de marca pequena meio sem cola já nas bordas, de tanto minhas unhas por ali passearem. E a solidão que me vêm com estas noites e aquelas manhãs e esses dias me sufoca e me abraça e me acalma e as fotos me julgam em seus porta-retratos d'um nove e nove e eu que nunca fui ligada a literatura brasileira busco consolo em Olavo, em Fernando, em Cecília, em Castro, em Cora, em Mário, em Caio, e aos poucos, meio desesperada pelos dias ensolarados que chovem sobre mim, tento substituir-lhe as doces declarções embrigadas por momentos a tanto custo, que minhas contas em livrarias me tiram o pão da mesa para alimentar minh'alma e saciar essa fome de ti.
E por onde andas?
Os pássaros não são tão ligados a discussões religiosas ou comentários políticos, os gatos não me sorriem sonolentos quando passam-se mais de 48h sem pregar os olhos e ainda não podem-se cessar os assuntos impertinentes que as madrugadas carregam em suas costas, os estranhos não aceitam roubos de jornais e de estatutos e estátiscas em meio ao metrô lotado, os cobradores não me olham com um carinho desleixado quando um lado do meu cabelo cai, deixando-me com aquele aspecto de pequenos anos e pequenos olhos a vagar pelas aulas de Educação Física, porque simplesmente não consigo prendê-lo de forma a ser aceitável na sociedade como cidadã passável para trabalhar numa firma pequenina e familiar. As paredes não me respondem com tanto ardor e ignoram todos meus poemas pobremente declarados, ao invés de completá-los. As paredes não m'entendem como tu fizeras. Elas não desafinam no chuveiro aquele refrão chiclete daquela banda irlandesa desconhecida que o irmão do amigo do teu primo ouviu falar quando esteve por lá numa viagem a negócios e trouxe uma cópia do CD, lotado de músicas encantadoras com aquele sotaque que insistias em imitar e falhar miseravelmente para então desafinar de propósito quando eu entrava no tom. Elas não tiram os sapatos para dançar na chuva que do nada veio, às cinco da manhã, quando a noite boêmia dava espaço a uma caminhada trôpega para o apartamento pequeno que dividíamos no fim daquela rua de iluminação ruim.  Elas não sorriem aqueles dentes brancos, com aquele tanto de pasta de dente no canto direito da boca. Não, elas não sorriem bonito daquele jeito torto que fazias.
Por onde andas?
Te sinto a falta e a cama 'tá gelada e os meus pés e minhas mãos e minhas luvas e meias são tão inúteis quanto amantes e amores passageiros e tudo é frio e o sol entra pela janela e as paredes roubam o calor para terem forçar de m'ignorar com meus poemas e minhas angústias e o café esfria tão rápido e o vinho se esvai tão rápido e meus lábios ficam daquele tom de roxo que sempre te fizeras sorrir aquele sorriso bonito com lábios manchados daquele tom de roxo e os cigarros queimam as pontas de meus dedos e eles estão amarelados e as unhas, tão quebradiças e meus olhos refletem todo aquele brilho lunar, mas não o refratam e eu choro baixinho com medo que tu escutes a toda essa distância e sorria aquele sorriso triste, de partir o coração e tenha medo de voltar e ver mais umas daquelas lágrimas tingindo minhas bochechas pálidas daquele tom de preto que sempre te fizera sorrir aquele sorriso pequeno, que secava minh'alma e aquecia meus dias e era meu sol. E todas as cartas pra ti estão enderaçadas a lugar nenhum e todos os LPs estão perdidos pelos assoalhos e meus quadros estão com a tinta tão seca que são respingos d'um talento.

Por onde, para onde andas? Por que não ficas?
Hei, volta.
Hei, fica.
Hei, vamos para onde quer que seja, juntos, com a tua mão quente na minha gelada e vamos sorrir um pouquinho aquele sorriso bobo e pintar o céu de vermelho com aquele teu tom azul de olhos melancólicos.

Friday, 19 October 2012


Mas essa manhã, ela acordou cansada. Tão cansada que não conseguiu achar forças para levantar da cama ou para secar as lágrimas que escorriam sem que as notasse. Tão cansada que todo seu conhecimento de inglês era uma inutilidade, e todos os tablados com seus quadros negros regados de xises e gizes poderiam ser só mais um sonho ruim de quando fazia cursinho para tentar a sorte grande num vestibular grande demais para seus pés que calçavam sapatilhas infantis.

Todos os cálculos de estimativas de quanto teria para uma outra garrafa amiga depois de pagar as contas, eles eram um fantasma perdido nos pés de sua cama desarrumada, com uma pessoa desarrumada no meio de toda aquela bagunça de travesseiros e lençóis e manchas de café e pedaços amassados de embalagens de chocolates esquecidos.

Ela não tinha mais um nome, ou um rosto. Ela era uma alma jogada ao acaso que perdia trabalhos mais rápido que os encontrava. Se perdia em amores antes que pudesse colocar-se nos trilhos para mais uma tentativa. Encontrava uma forma pateticamente engraçada de consolo em garrafas, mais novas e mais baratas dia a dia.

Quantos anos tinha, não se sabia. Tinha algumas rugas pequenas quando sorria, mas como tão raramente o fazia, poder-se-ia dizer que não tinha rugas, então. Seus cabelos, há, quem sabe, cinco anos tinham aquele brilho juvenil, o mesmo brilho que sua risada exalava. O brilho se esvaira, junto com as gargalhadas altas em madrugadas de embriaguez conjunta. Quando os tomava nas mãos para fazer mais um coque desajeitado, os sentia partindo-se em pequenas partículas de descuido. O tom de vermelho fazia lembrar de uma tangerina, toda ácida e madura, toda pronta para quedas e para ser devorada. Sempre sorria à comparação. Sempre olhara a fruta de maneira quase invejosa, quando criança, quando inocente. Nunca soubera o porquê, mas se Deus lhe desse uma segunda chance para escolher e evoluir para algo melhor, seria uma tangerina. Era uma bela fruta, afinal. Ela, não era tão bela assim.

Sua pele tinha um tom pálido, quase doentio, às vezes. Tinha olheiras profundas, daquele roxo claro. Aquelas olheiras, marcas de insônia de tanto escrever e ler e tentar sonhar com os olhos fechados, aqueles traços de cansaço em sua forma mais pura que, dependendo da luminosidade, refletiam a olhos estranhos como pequenos sorrisos que pediam mais uma xícara de café. Aquelas olheiras, tinha-as desde que seu cabelo feliz decidira por tornar-se pedaços avulsos de tristeza pregados a cabeça. Aquelas olheiras encaravam-na, vendo fundo em sua alma, a todo trago sofrido que dava em frente ao espelho, sujo, empoeirado e rachado – fazendo-o sempre para ter certeza de que seus olhos mantinham-se os dois do mesmo tamanho, com o mesmo traço natural que maquiagem nenhuma poderia ocultar. Tinha aquela obsessão estranha com o tamanho dos olhos. Talvez fossem os anos incontáveis que carregava às costas. Talvez fosse falta de uma mania mais saudável, do que olhar para si mesma num espelho quebradiço, como seus dias, como sua saúde, enquanto afundava essa cada vez mais num abismo colorido de álcool, nicotina e sexo desenfreado. Talvez, dos três, o sexo lhe fosse o mais saudável. Fazia-lhe mal, mais tarde, quando, ao olhar-se no espelho que eram seus olhos, o esquerdo sempre menor, por mais que ela negasse, com a olheira um tanto mais profunda, via sempre de forma embaçada pela nicotina a garota da risada feliz, com ruguinhas felizes ao invés de cabelos opacos e unhas roídas pela ansiedade de viver.

Acordava, todas as manhãs, com ânsia de viver, ânsia de ser. Sempre acabava suas madrugadas insones, vendo aquele tom de laranja, quase cor de tangerina, tingindo o céu, com aquele sol que lhe doía os olhos, o esquerdo sempre menor, por mais que ela negasse. E as olheiras tornavam-se mais profundas e ela acendia mais um cigarro, quem sabe o décimo desde que deitara-se na cama,  para encarar o teto meio embolorado, meio rachado, e ela tragava fundo, sentindo o que lhe restava de pulmões chorando baixinho e olhava-se, quem sabe no reflexo na janela, quem sabe com os olhos fechados, reproduzindo sua imagem com a imaginação. Lá, o olho esquerdo era sempre perfeito. E ele era azul, assim como o direito. E não havia olheiras ou contas ou aquelas lágrimas já meio secas de tanto caírem sem serem vistas. E, lá, naquele mundo imaginário de frações de segundos, do momento que os dedos com as pontas já amareladas levam aos lábios o cigarro barato daquela banquinha suja da esquina até o momento que não consegue mais segurar aquela fumaça suja entre entre seus dentes cerrados, ela via-se com um sorriso pequeno, com garrafas e cigarros e estranhos num canto desconhecido a sua vida. Era fácil sorrir, assim, de olhos fechados.

Escrevia cartas. Todas as noites. As noites insones. Escrevia cartas para todos os amigos que se foram, que não lembrava-se mais do nome ou do cheiro ou do sorriso ou da textura dos cabelos. Escrevia e contava sobre como sua vida ia – estava sempre maravilhosa. Com o emprego perfeito e o amor perfeito, na cama, nos vasinhos na janela, sem olheiras ou os remédios para mantê-la de pé. Mentia para eles, mentia para si. Mas, quem veria aquelas cartas, afinal? Eram só mais uma mentira e, bem, mentir todos nós mentimos. Por que não uma a mais? Por que não amar aquela vida de plástico, um pouquinho mais?

Escrevia bilhetes. Todas as manhãs. Sempre dizia que estava indo embora, não me liguem, não me procurem, não, não existo mais, vou para o exterior, a pequena bolsa de couro está recheada de roupas úteis e sonhos. Falava sozinha. Vivia sozinha. Deixava aqueles bilhetes na mesa descascada da cozinha pequena, sempre com aquela caneta azul por cima, cuja tinta sempre vazava na hora dos pontos e dos pingos, deixando rastros de mãos trêmulas. Despedia-se de si mesma, todos os dias. Despedia-se, com aquele adeus choroso mas decidido, mas nunca ia embora. Era uma outra mentira, daquelas bonitas e sorridentes, como suas olheiras.

Era fácil viver, assim, de olhos fechados.