Saturday 3 December 2011

Ela sorrirá. Ela irá te confundir, fará sua cabeça girar. Será irônica, mal-educada e desmanchará marcas de batom pela tua pele alva. Desviará os olhos dos seus, te encarará em silêncio, ignorar-te-á. Ela rirá alto, sorrirá de canto, arqueará uma sobrancelha. Instigar-te-á a desvendá-la e nunca o permitirá fazê-lo. As mãos delas encaixar-se-ão perfeitamente nas tuas, mas ela nunca deixará com que tu saibas. Ela não se apaixonará, não se encantará pelo teu sorriso, mas tu o farás. Você reparará no modo como seus cílios escuros projetam uma leve sombra sobre sua bochecha corada, como seus lábios movem-se ao falar, como a cor dos olhos parece contrastar com a pele clara, como sua risada faz surgir borboletas esvoaçantes em teu estômago, como seus olhos brilham e faíscam e sorriem enquanto ela observa os carros passarem rápidos abaixo de si, na tua varanda, com teu moletom, usando o teu sorriso. Ela terá um coração partido, remendado, um âmago vencido, uma maquiagem borrada, uma alma que só quer viver de presentes, e você a amará. Amarás a todas as remendas, as dores, os amores validados, as noites perdidas, os relógios sem horas, o cheiro inerte no pescoço, as marcas de batom, os sons, a respiração, o palpitar desenfreado pelo peito, a complexidade. A amará por querer consertá-la, por querer tornar as remendas em seu peito suficientemente perfeitas para que ela possa respirar. Consertará seus olhos tristes, suas faces, suas manias, suas mentiras. Caçar-lhe-á o olhar em meio à multidão e encontrará tanto de si, tanta complexidade, tanta semelhança, tanta dor, tantas sombras, tantas marcas, tantos remendos, e a amará, simplesmente. Talvez num dia de chuva, quisesse simplesmente entrar na vida dela, fazer amor com ela até que todas as nuvens sumissem do céu da Inglaterra, e foda-se. Talvez só quisesse fazê-la sorrir de verdade, numa manhã de domingo, com a tv desligada, onde nada pareceria pertencer àquele momento, onde toda a quietude seria quebrada por um mundo distante, desconectado, um bebê a chorar no andar de baixo, um carro freando bruscamente, um cachorro latindo. Talvez só quisesse perder-se em meio aos lençóis claros, rasgados, esquecidos. Talvez só quisesse perdê-la e tê-la no chão da sala, no quarto, na cozinha, na rua, no quintal. No coração. Talvez só a amará por tudo que ela não é e por tudo que sempre fingiu ser.

Thursday 28 July 2011

Uma vez eu li, quem sabe num poema, numa letra de música, numa placa, numa pixação: nada é feito para durar. Aquilo marcou-me, de certa forma. Sorri, na hora, mas depois, atormentei-me. Queres verdade mais evidente? As coisas necessitam de um início, meio e fim. É o ciclo natural das coisas. Ridículo, mas natural. O tão louvado "para sempre" é a maior hipocrisia metafórica existente. E a mais famosa também. A perfeita e inalcançável ilusão. Soa engraçado, mas quando tu olhas para trás, sente o peito arder. Acreditaste, não? Acreditaste, acreditas, acreditarás. Porque todos precisam de uma metáfora ardente para sorrir. Por mais que acabe-se, por mais que nunca perdure, por mais que seja feita para acabar.
E tudo acaba como um dia começou.

Saturday 26 March 2011


O rímel sangra uma lágrima negra. Os olhos choram uma lágrima sangrada a rímel, marcada a ferro e fogo pela dor. Enquanto o peito explode o olhar deixa-se demonstrar toda a fraqueza tão bem incutida e disfarçada, tendo os telespectadores cansados do show e se refugiando-se em casa, onde domingos tediosos despertam-lhe maior interesse do que alguém que permitiu a máscara vir ao solo. O sol tenta fazer-lhe cerrar a tristeza, escondendo do mundo aquele tom indefinido, que beira um cinza, um castanho, um verde, que domina seus globos oculares afogados em lágrimas quentes. O mundo tenta fazer-lhe esconder-se, os olhos fechados, o coração sangrando, a alma aberta, a dor vazando, gotejando, pingando, obcena. O frio corta-lhe a pele como pequenas facas afiadas a cortarem a carne do pescoço do inimigo, vendo-o sangrar; o frio e a dor e a perda e o cansaço e a desesperança e o vazio a dilaceram enquanto ela destrói o mundo com milhares de céus enegrecidos. O tom alvo da pele contrasta como sangue e neve às suas manchas negras escorridas pela bochecha. O vazio a preenche enquanto ela desiste, e fecha os olhos, e seca as lágrimas, e vai embora.

Thursday 3 February 2011


Haviam os pulsos finos, os cabelos ralos, os olhos tristes, os lábios secos. Havia a ausência, a cor, o cheiro, a dor. Havia a indiferença, a insustância, a tristeza, o auto-flagelo. Havia a decepção, a perseguição, a contagem, os riscos. Haviam os cortes, as mortes, a saudade, a necessidade. Havia o banal, o dispensável, o sangue, o perfume. Havia um desenho, um vermelho, um azul, um laranja. Havia uma vida a salvo.

Em seu pulso fino havia uma borboleta.

Wednesday 12 January 2011

Saudade é mais do que ter as bochechas úmidas com a água que vaza dos olhos, mais do que sentir o coração sendo esmagado por uma mão invisível, mais do que perder o fôlego diante das lágrimas que te levam ao solo e não te deixam submergir, mais do que rir sozinho com os olhos fechados em frente a uma tela de computador vendo uma cena que não se passa a muito, mais do que sentir frio longe de braços com seus abraços, mais do que não sentir o próprio coração pulsar por sentir falta de outro batimento. Saudade é perder um pedaço de si e rezar, todas as noites, para um dia recuperá-lo