Saturday 21 January 2012


O céu, aquela tarde, estava cinza. Um cinza daqueles que parecia um borrão triste duma criança que errou ao desenhar os olhos da personagem e, ao passar a borracha por sobre estes, um borrão espalhou-se pela folha; e ela desistiu de desenhar e foi correr atrás de borboletas. Mas o céu não desistia. Ele persistia, sendo o eterno borrão dos olhos dela. (...) Alguns relâmpagos faziam-lhe fugir os olhos da estrada e encará-la com suas nuvens, seus borrões, seus relâmpagos, suas gotas de chuva, sua frieza. E ela encarava-te de volta.
Perguntava-se, às vezes, se algum dia aquele olhar não fora doce e castanho, como chocolate, como pequenos cachorrinhos em exposição numa loja cara num lugar caro numa cidade cara, cheio de pessoas baratas e vazias, mas que cobravam caro para sê-lo. Às vezes, queria acreditar que ela já fora incolor ou monocromática. Que ela fora um borrão, como os olhos do desenho da criança. Talvez, ela o tivesse sido aquela criança em algum tempo. Cabelos castanhos, olhos castanhos, pele clara, lábios pequenos e descoloridos, as unhas quadradinhas e pequenas. Uma daquelas crianças comuns, que não se destacam por não terem ao que destacarem-se. Não o turbilhão em que ela tornara-se. Não uma confusão de cores e sabores e falta de tudo – falta de ética, falta de pudor, falta de vergonha, falta de verdades, falta de vaidades, falta de sentimentos. Completa de paradoxos. Não com seus cabelos vermelhos, seus olhos cinzas, seus dedos pequenos e suas unhas escuras, sua boca avermelhada e um olhar cansado. Não queria tê-la a esta imagem da fadiga e desistência por toda sua curta existência. Queria tê-la completa, não em pedaços, não desfeita, não arrasada.
Ainda podia ouvi-la rezar em seu choro falso.