Friday 26 October 2012

Hei, fica.
Onde estas indo, amor?
Onde andam todos teus sorrisos e tuas alegrias e sóis particulares? Onde esqueceste toda aquela Esperança que cegava a nossos olhos, durante todas aquelas insônias a nos manter companhia?
Lembra-se da Esperança? Ah, Esperança, aquela moça bonita que te sorriste da esquina, cabelos leves presos num coque mal-feito, os olhos despenteados, olheiras profundas, o sorriso fatigado e quebradiço como as copas das árvores que a salvavam do sol que ferir-lhe-ia a pele alva, cor de dias de verão. Esperança, com seus pés machucados e lábios rachados, aguardando-lhe no fim do túnel, a lanterna na mão. Esperança menina, menino, criança boba e ingênua, que lhe alimenta o sol d'olhar a cada baque surdo do ponteiro dos segundos. Ah, Esperança. Perdeste-a no caminho, amor? Onde andas você, por onde andas, com esses pés presos em sapatos tão pequenos, com buracos que lhe castigam com o vento e aquelas poças que vêm-lhe saudar nos dias chuvosos. Por onde andas, sobre esses trilhos pegajosos, úmidos e escorregadios, sendo interrompidos de sua calmaria monótona por um salvador de almas perdidas a traçar o mesmo caminho que ti? Por onde andas, pulando para o lado no momento preciso, tropeçando-se por sobre si mesmo nos meios-fios rachados de calçadas de mal acabamento, daquele cimento frágil, que cede a mais duas bicicletas, três pares de pés por hora?  Por onde andas, com aquele sorriso de canto, com aquela marquinha onde termina teu pescoço arranhado por tuas esperas insaciáveis e ansiedades descontroladas e começam teus ombros tingidos por aquelas pequenas sardas que o sol deu-lhe de presente? Por onde andas, com aqueles cabelos compridos que jogavas ao vento e aquela rouquidão macia de sono que te acompanhava nas ligações matinais que insistias em me fazer nas manhãs preguiçosas de domingo, mesmo deitado na cama ao meu lado? Por onde andas? Meus bares de luzes fracas e inconstantes não se apresentam belos como um dia o fizeram e suas cantorias embriagadas me são muito altas, muito agudas, muito graves. Minhas noites boêmias são tão solitárias, sorrindo às duras penas, à consolação, ao entendimento e ao compadecimento da minha companhia a garrafa e dos sorrisos espassos que a garrafa, meio trincada por ter me escapado das mãos quando aquela bituca de cigarro veio me cumprimentar a perna desnuda, manda-me de olhos fechados, com aquele selo de marca pequena meio sem cola já nas bordas, de tanto minhas unhas por ali passearem. E a solidão que me vêm com estas noites e aquelas manhãs e esses dias me sufoca e me abraça e me acalma e as fotos me julgam em seus porta-retratos d'um nove e nove e eu que nunca fui ligada a literatura brasileira busco consolo em Olavo, em Fernando, em Cecília, em Castro, em Cora, em Mário, em Caio, e aos poucos, meio desesperada pelos dias ensolarados que chovem sobre mim, tento substituir-lhe as doces declarções embrigadas por momentos a tanto custo, que minhas contas em livrarias me tiram o pão da mesa para alimentar minh'alma e saciar essa fome de ti.
E por onde andas?
Os pássaros não são tão ligados a discussões religiosas ou comentários políticos, os gatos não me sorriem sonolentos quando passam-se mais de 48h sem pregar os olhos e ainda não podem-se cessar os assuntos impertinentes que as madrugadas carregam em suas costas, os estranhos não aceitam roubos de jornais e de estatutos e estátiscas em meio ao metrô lotado, os cobradores não me olham com um carinho desleixado quando um lado do meu cabelo cai, deixando-me com aquele aspecto de pequenos anos e pequenos olhos a vagar pelas aulas de Educação Física, porque simplesmente não consigo prendê-lo de forma a ser aceitável na sociedade como cidadã passável para trabalhar numa firma pequenina e familiar. As paredes não me respondem com tanto ardor e ignoram todos meus poemas pobremente declarados, ao invés de completá-los. As paredes não m'entendem como tu fizeras. Elas não desafinam no chuveiro aquele refrão chiclete daquela banda irlandesa desconhecida que o irmão do amigo do teu primo ouviu falar quando esteve por lá numa viagem a negócios e trouxe uma cópia do CD, lotado de músicas encantadoras com aquele sotaque que insistias em imitar e falhar miseravelmente para então desafinar de propósito quando eu entrava no tom. Elas não tiram os sapatos para dançar na chuva que do nada veio, às cinco da manhã, quando a noite boêmia dava espaço a uma caminhada trôpega para o apartamento pequeno que dividíamos no fim daquela rua de iluminação ruim.  Elas não sorriem aqueles dentes brancos, com aquele tanto de pasta de dente no canto direito da boca. Não, elas não sorriem bonito daquele jeito torto que fazias.
Por onde andas?
Te sinto a falta e a cama 'tá gelada e os meus pés e minhas mãos e minhas luvas e meias são tão inúteis quanto amantes e amores passageiros e tudo é frio e o sol entra pela janela e as paredes roubam o calor para terem forçar de m'ignorar com meus poemas e minhas angústias e o café esfria tão rápido e o vinho se esvai tão rápido e meus lábios ficam daquele tom de roxo que sempre te fizeras sorrir aquele sorriso bonito com lábios manchados daquele tom de roxo e os cigarros queimam as pontas de meus dedos e eles estão amarelados e as unhas, tão quebradiças e meus olhos refletem todo aquele brilho lunar, mas não o refratam e eu choro baixinho com medo que tu escutes a toda essa distância e sorria aquele sorriso triste, de partir o coração e tenha medo de voltar e ver mais umas daquelas lágrimas tingindo minhas bochechas pálidas daquele tom de preto que sempre te fizera sorrir aquele sorriso pequeno, que secava minh'alma e aquecia meus dias e era meu sol. E todas as cartas pra ti estão enderaçadas a lugar nenhum e todos os LPs estão perdidos pelos assoalhos e meus quadros estão com a tinta tão seca que são respingos d'um talento.

Por onde, para onde andas? Por que não ficas?
Hei, volta.
Hei, fica.
Hei, vamos para onde quer que seja, juntos, com a tua mão quente na minha gelada e vamos sorrir um pouquinho aquele sorriso bobo e pintar o céu de vermelho com aquele teu tom azul de olhos melancólicos.

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