Thursday 24 January 2013

Dedos sujos, olhos límpidos. O gosto de sangue ainda dançava na língua, metálico, metálico como os ponteiros sujos daquele relógio imundo de dez vidas ou mais na parede rachada do papel de parede descascado de flores invisíveis. Nas horas trincadas se pegava a se perguntar se se perguntavam por si, por ti, por aqui e ali, se havia de existir ainda, se as horas passavam para ela como há dez anos, como haveriam de passar dali a dez segundos. Naquele quarto recheado de espelhos quebrados e cobertos de sangue coagulado e ressecado, de roupas rasgadas e meticulosamente posicionadas por sobre os olhos, tranformando-a num boneco de filmes de suspense dentro de sua própria cabeça. Naquele quarto imaginário rechado de espelhos imaginários transformada num boneco imaginário ela pintava paredes com tintas secas e olhos vazios, enxergando além de argamassa e chumaços de cabelo ressecado.

Dedos sujos, olhos límpidos. E por quê deveria de criar calendários se ao serem redistribuídos em praças públicas seus diários tomariam conotações de mundos diferentes? Que dia seria de que ano de que horário em que mundo quando seria lido por qual coração? Aquelas palavras seriam felizes, tristes, chamuscadas, rabiscadas, chuvosas. Seria noite, manhã, madrugada, dia de semana, horário de expediente, indiferença pelo atraso, pausa para o café. Seria homem, mulher, criança, branca, negro, índia, China, Marte, Júpiter, Via Láctea, quem sabe mais além. Quem se importa. Quem?

Dedos sujos, olhos límpidos. O tempo não existe. Relógios existem. Em que língua enxergas isso? Em que língua me corrompes as danças? Em que dialeto discordas? Por que não acreditas? Ela não existe. Eu não existo. Nem tu. Nem nós. Nem eles. Maldita gramática. Bendita ortografia. Quem nos inventou. Seria Deus? Ou Deus nos inventou depois de nós o termos inventado? E onde entra o Céu e onde sai o Inferno? E o Futebol? A copa chega, ano que vem. Belo estádio. Ela pintou aqueles espelhos quebrados com o sangue dos pulsos, mas não morreu. Ideias não morrem. Suicidas não morrem. Ídolos. Heróis. Mártires. Terras. Planetas. Sistemas. Teorias. Teólogos. Filósofos. Eu e você. Amor. Tesão. A morada na terra t’eterniza, meu bem. A morte não te atinge, não te aflige. Te torna inalcançável. Mescla-te em árvore, tomba na floresta, em silêncio, fecha os olhos, reza pela ignorância dos animais e deix’assim.

Dedos sujos, olhos límpidos. Bilhetes e bules. E cartas. E mapas.

Dedos sujos, olhos límpidos. Onde começa o sim e onde termina o não? Onde começa o amor e onde termina a aflição? Mas quem haveria de se apaixonar por olhos castanhos? De espelhos cobertos por ventanas, sonhos toldados em olhares vendados e as horas que passavam diferente no relógio do sol dos pássaros. A liberdade era mais tangível quando inatingível.

Dedos sujos, olhos límpidos.

Sujos.

Suja.

Na sarjeta, na valeta, nas ruas, nos becos, no esquecimento, na ponta da língua, nos sussurros em reuniões familiares, abandonada por Deus, esquecida pelos homens, amante de si, traída e trocada por moedas foscas. Só queria um relógio que me desse a hora certa de morrer.

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