Thursday 31 January 2013

No meio do aeroporto lotado de malas gigantescas e mentes minúsculas, andava um cabelo em chamas, óculos escuros escondendo olheiras de tanto andar a esmo nas manhãs que sucediam noites insones. Uma mala, pequena, desbotada, com bottons corroídos e um laço meio solto, ia as costas. As calças rasgadas nos joelhos, nas coxas, desfiadas, uma blusa maior que ela, a jaqueta jeans com uma bandeira dos Estados Unidos, destruída, colada com taxas e alfinetes nas costas e spikes na gola, um coque mal feio no cabelo e o maço de cigarros a sair do bolso. Um batom vermelho desbotado e a maquiagem borrada por sobre o negror dos óculos, de lágrimas que secaram antes de cair. Andava a passos lentos, mas fugia do campo de batalha que sua vida representava.



No avião, a 500 pés d’altura, observava o céu e sentia lágrimas. Tinha uma destinação e não pretendia dar a volta, e agarrar-se a barras de saias e implorar perdão. Tudo que queria era um cigarro. Quando a comissária de bordo passou perguntou-lhe por uísque. Ela lhe perguntou sua idade e a menina das roupas de reuniões familiares sorriu e revirou o manual de instruções no caso do avião cair. “Que caia. Faça-me um favor, Deus. Mate-me, antes qu’eu o faça”. Suspirou. Deixara um bilhete, meio borrado e chamuscado, cinzas do cigarro caiam nele de quando em quando e Foda-se. “Parto hoje. Olha o Sonho, olha o Sonho. Um é três [reais]. Três é sete. Optei por mil. Lembra-se da noite que pisastem neles todos e que olharam em meus olhos e disseram, com os lábios cheios de rancor “Tome suas pílulas, morra, faça chantagem, vá para a França, torne-se prostituta, drogada”. Vagabunda. Gabriele Colette, és tu que me chamas? Não, és tu quem me grita na rua. Ouço o eco. “Vagabunda”. Meias desfiadas, pulseiras com spikes, não adepta a religião, músicas, canto, banda, bares, noite, praças, artes, filosofia, artista, teatro, atriz. Prostitua. Drogada.


Não sabes o que é viver. "Me dê um trabalho que eu ame, um apartamento pequeno, comida suficiente, música, um simples alguém e serei feliz. Prefiro uma vida curta, mas bem vivida do que passar a vida sentada numa mesa querendo um dinheiro que nunca terei, uma vida que a tevê vende, um sonho induzido pela mídia. Prefiro morrer correndo atrás dum sonho e saber que existir sonhando me rendeu mais vida do que mil tuas" "Não sabes nada. És patética. Vida é dinheiro." "Vida é paixão. Amar o que faz e saber qu'alguém tirou uma lição da tua vida. É viver ao máximo, mas viver. Não existir"


O avião, ele vai rápido em direção ao meu sonho. “Nunca conseguirás o visto. Não tens talento.” “Nunca conseguirás nada.” “Tens uma péssima voz” “Escreves mal” “Artes nunca lhe sustentará” “Não sabe o que é viver” “És patética, feia, ridícula. Morra, suma.” Vagabunda. “E este batom? Pareces uma prostituta barata. E este shorts? Foda-se a meia calça. Olhe esse desviado. Queres que lhe passem a mão. Vulgar”. Fumo um cigarro. Sinto a nicotina no sangue, n’alma, melhor amigo. “O que é isso? Virou vulgar? Vai virar puta?”


O avião continua. A carta perde a essência e se volta e revolta para a mágoa. “Nunca conseguirás sair daqui e ficar na França. Não consegues. Não pode. Vão te expulsar. Mandar de volta. Ninguém vai te querer como atriz, cantora. Nem como pequena. Um em um milhão,. Tu não és este” O meu especial é banal, essencial pra se perder na multidão. Ser aplaudido por duas pessoas contratadas com o dinheiro do pão, para chorar no porão alugado mais tarde.


Fujo. Torno-me clandestina. Torno-me Sol. Torno-me pequena, invisível, caixa de sapato. Fujo de país em país. Vou pr’Inglaterra. Choro por apartamento pequeno no meio do nada, Trabalho em três turnos, toco no meio da rua e vendo flores. Vendo amores a quem ama e desejo amar, mas o coração se perdeu no avião no bilhete. Vagabunda. Flores. Coloridas e pequenas. Como sonhos. Pequenos e fáceis de se acabar.


Acordo cedo, metrô m’engol’alma e sorrio pro violão qu’é atingido pelas almas avulsas. Caixa de sapato. Asas de papelão. Governo na televisão. Fugitiva. Escondida. Humilhada. Conversas com pombos, cafés doados e reflexos na janela. Cantando pr’aquele belo quadro abstrato que me sorri de dentes amarelados e olhos laranjas, quando deveria ser um parque. Chamo-a de Amelia. Somos amantes. Vagabunda. Ideias são a prova de bala. Minh’alma é composta de cores, e dores, e nãos, e decepções, e de incapacidades, e de viver em apartamentos sujos, e de ser renegada, e de tocar em bares de becos, e de m’embebedar todas as noites, e de me viciar em ópio, heroína, cocaína, fugir da realidade, me afogar em incertezas e ver no colorido que tudo dá certo. No meio desse lixo todo encontro uma fagulha num violão e num microfone ruim e no John, o bêbado do terceiro divórcio que aplaude de pé, cambaleante, minha terceira música e me pede em casamento.


No meio de todo esse desespero há felicidade pois a música ainda toca, até para quem não há ouve, lá ela está. E sempre estará.

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